segunda-feira, 25 de julho de 2011

Dia 80 - Uma defesa do não consumo de animais não humanos

I
É claro e nítido para mim que não estou apta para escrever sobre o tema. Em primeiro lugar, tenho pouca credibilidade no que toca a níveis académicos. Depois, o número de coisas que li, embora de qualidade, não se compara ao número de coisas que os defensores do consumo de animais leram. No entanto, estou disposta a ir actualizando este post de vez em quando: porque a minha opinião agora é necessária e útil. Pelo menos, para quem se queira manter informado acerca do que eu penso sobre o tema.

II
Oiço demasiadas vezes a pergunta "mas porque é que não comes carne?". Mas poucas vezes me dão oportunidade para responder. Seja por egoísmo, seja por insegurança dos seus próprios argumentos ou por medo de ficarem "convertidos", essa portunidade não me é dada. Torna-se estranho, o ser humano. Porque faz uma pergunta, mas deixa a resposta pendente, como se a resposta não interessasse realmente.
Assim sendo, vou começar por responder na negativa. Eu não deixei de comer animais porque nºao gosto de animais. Eu continuo a gostar do sabor, continuo a gostar de os cozinhar e continuo a gostar de ver as outras pessoas a comerem. Quando digo que "me faz impressão!" que o leitor coma carne, não me refiro a uma impressão somente físima, mas algo que é como "psicossomático". Ou seja, há uma certa implicação ética, que eu vou explicar mais à frente, que me causa essa repulsa. Dizendo de outra forma: se eu fosse um ser desprovido de qualquer consciência ética (ou moral, aqui vou usar as duas palavras com o mesmo significado - o comum) comer carne não me faria a mínima impressão. Assim, podemos pôr de parte o argumento de que "se somos seres omnívoros, temos que comer de tudo, porque é natural". Porque também somos seres éticos e conscientes e é isso que nos faz pensar duas vezes. Por exemplo, também é natural uma mulher engravidar cada vez que tem a menstruação. Mas isso não significa que engravide. É natural morrer-se "de causas naturais", mas isso não significa que não se pratique a eutanásia, o suicídio ou o aborto. Daqui concluímos então que o que é natural não é necessariamente uma obrigação natural.

III
Podemos contrapôr o seguinte: mas então, e os animais carnívoros que matam outros animais para comer?". E isto leva-me à defesa do seguinte: quando falamos em animais carnívoros, estamos a excluir o homem. Essa exclusão implica uma divisão entre animais humanos e animais não humanos. O animal humano (daqui para a frente, designado como pessoa, para facilidade) como é sabido, também caçou para comer. O que se passa neste momento é que temos um excesso de "animais caçados", que virou em produção excessiva. Para além da carne que é produzida em excesso e que as pessoas não controlam, ainda se lucra com essa produção. Podemos dizer que é como se se produzissem 400 rebuçados para a tosse para uma comunidade de 50 pessoas. Não faria sentido e grande parte dos rebuçados iria parar ao lixo, sem sequer terem sido tocados. Porém, tinha-se gasto dinheiro, açúcar e mel em excesso. Sabendo de antemão que as pessoas não iriam consumir. O mesmo não se passa com animais não humanos (daqui para a frente, designados como "animais"). Esses que caçam, caçam o essencial para si e não há desperdício desnecessário. Portanto, eu defendo que se se produzisse o essencial para a alimentação das pessoas, essa seria uma razão para eu ponderar regressar aos animais, embora não fosse a razão principal. Porém, julgo que deve ser considerada. Até porque, não nos esqueçamos, esta implicação não tem só a ver com excedentes de animais. Tem tembém a ver com a emissão de gases para a atmosfera em excesso (como é o caso do metano, pelo excesso de produção de carne de vaca). Portanto, assumindo que a carne nos é essencial e que faz parte da alimentação humana, esta devia ser produzida sem excedentes, seguindo o exemplo dos nossos amigos animais que caçam o necessário.

IV
Agora, quero falar-vos do típico sofriemento dos animais. Por vezes, diz-se que os animais sofrem, mas sem fundamento. Para eu poder fundamentar, preciso de usar uma palvra "fina", mas que traduz tudo: a senciência. Um ser senciente é um ser capaz de sentir dor ou prazer. Para abranger, é um ser capaz de sentir.
E não nos podemos enganar a nós próprios quando dizemos que os animais não sentem, ou não sentem tanto como os humanos, porque tudo tem a sua proporção. Se, por exemplo, bermos num elefante com um pau durante dois minutos, se calhar a dor dele não vai ser tão forte (por causa da sua constituição física) como se batermos numa pessoa durante duis minutos com exatamente a mesma força. Alíás, é por isso mesmo que o mesmo medicamento tem diferentes doses letais (DL50 - dose suficiente para matar 50% da população em estudo) consoante o animal. Simplificando: uma crianaça toma uma colher de xarope para a tosse enquanto um adulto toma uma colher de sopa.
Assim, pretendo dividir os seres, não em animais humanos e animais não humanos, mas sim em animais sencientes e não sencientes. Não faz sentido fazer uma lista de todos os animais que eu considero sencientes, porque aqui só estamos a considerar os que comemos - a vaca, o porco, o perú, o peixe... e outros quaisquer que possam querer inserir. Não estou sequer a pensar em minhocas ou formigas, porque isso não faria sentido para a discussão.
É esntão nítido que uma vaca sente. Sente quando é morta e sente se a sua morte é dolorosa ou não. É conhecido de todos aqueles vídeos trágicos de vacas a morrerem penduradas em espetos, ou prcos aos quais lhes arrancam pernas. Isto acontece por duas razões: primeiro, porque é caro dar uma injecção letal a um animal, seja ele senciente ou não. Se os deixarmos morrer gradualmente (embora isso implique sofrimento, pelo menos, físico) sai mais barato. Se lhes cortarmos logo as patas, não temos que nos preocupar mais com o assunto. Por outro lado, e no caso das peles, não se "deve" deixar o animal morrer para lhe tirar a pele (por exemplo, das vacas) porque não fica tão brilhante, tão macia e tão fresca. De maneira que a pele é retirada com o animal senciente ainda vivo.
Outra questão que está directamente ligada com esta é o facto de os animais serem criados em condições deploráveis. Por exemplo, nos aviários, as galinhas, porque só põe ovos durante o dia, é mantida uma luz acesa que imita a luz solar e desta forma elas produzem ovos durante dias seguidos, não havendo intervalo necessário para o próprio corpo recuprar. Por estarazão, são ligadas a comedouros e o seu alimento é-lhes directamente injectado, para não perderem tempo a comer.
Assim, admitindo que a carne é essencial ao homem e pondo a hipótese de que não se produzia em excesso, o sofrimento destes animais era dispensável com uma simples injecção. Desta forma, eu também ponderaria recomeçar a comer animais.

V
Pará além do sofrimento físico imposto aos animais, há também o sofriento psicológico. Temos duas hipóteses: ou admitimos que os animais têm a capacidade de prever o futuro, ou não têm. Se tiverem essa capacidade, o sofrimento físíco acaba por ser superior, porque sabem que um dia ele vai acabar. Portanto, "estão descansados". Mas imagine o leitor que não têm esta capacidade. Então, enquanto estão a ser esfolados ou sacrificados para o excesso, estão a aperceber-se, momento após momento, que aquela dor é infinita e que não vai chegar a um fim. Imagine-se que uma pessoa me cortava a perna todos os dias durante uma semana. E imagine-se também que eu não tinha a capacidade de prever/entender o futuro. Então, a pessoa que me cortava a perna sabia que ao final de uma semana a tortura iria parar. Mas eu não sabia e todos os dias esperava mais. A todo o momento me doía, porque para mim não haveria final e a dor seria infinita. Portanto, se eu tivesse a certeza que os animais não iam sofrer num sofrimento (perdoe-me) infinito, eu ponderaria comer animais.

VI
Agora, vem aí outra grande questão: e as implicações para a saúde humana? Será que o homem precisa de animais presentes na sua alimentação para ser saudável?
Vamos por partes. Ser saudável significa que os constituintes do seu corpo estão equilibrados. Ora, eu também me preocupava com isto e também por esta razão fui à nutricionista. O que ela me disse foi que essa era uma decisão benéfica para quem está a entrar na fase adulta, exatamente porque já cresceu tudo o que tinha para crescer e o desenvolvimento cerebral não se faz com a presença de animais. Portanto, não há a possibilidade de ficarmos desnutridos ou com um défice de vitaminas, simplesmente porque o nosso corpo já não necessita. Mas se ainda acharmos que temos que comer algo que substitua a carne, há sempre vitaminas e "batidos" que resolvem esse problema de consciência. Embora, como digo, não é necessário. Uma prova disso é que as análises das pessoas que não comem carne estão substancialmente melhores do que as que fazem mais de duas refeições por semana de animais. Foi o caso da minha mãe, que deixou de ter colesterol.
Mas não sejamos hipócritas: o que preocupa as pessoas não é a presença de carne a sua nutrição. Até porque vemos pessoas a usar argumentos "nutritivos" quando têm excesso de peso ou doenças daí derivadas. A alimentação deve ser equilibrada e este equilíbrio pode não ser atingido com carne.

V
Assim sendo, por hoje, fico por aqui no desenrolar da minha argumentação. Como disse, pode ser que noutro dia volte a pegar no tópico. Quer-me parecer, no entanto, que o leitor já tem muito em que pensar, refletir e tomar uma decisão consciente: seja a de comer ou a de não comer animais não humanos. Mas lembre-se que tem que fundamentar a sua escolha. Pois se isso não acontecer, o valor dessa decisão cai por terra.
Próximo post: Mimesis e Catarsis