terça-feira, 1 de novembro de 2011

A minha saudade tem o mar aprisionado

A saudade não está na distância das coisas, mas numa súbita fractura de nós
num quebrar de alma em que todas as coisas se afundam.




A minha saudade tem o mar aprisionado 
na sua teia de datas e lugares. 
É uma matéria vibrátil e nostálgica 
que não consigo tocar sem receio, 
porque queima os dedos, 
porque fere os lábios
porque dilacera os olhos. 
E não me venham dizer que é inocente, 
passiva e benigna porque não posso acreditar. 
A minha saudade tem mulheres 
agarradas ao pescoço dos que partem, 
crianças a brincarem nos passeios, 
amantes ocultando-se nas sebes, 
soldados execrando guerras. 
Pode ser uma casa ou uma rede 
das que não prendem pássaros nem peixes, 
das que têm malhas largas 
para deixar passar o vento e a pressa 
das ondas no corpo da areia. 
Seria hipócrita se dissesse 
que esta saudade não me vem à boca 
com o sabor a fogo das coisas incumpridas. 
Imagino-a distante e extinta, e contudo 
cresce em mim como um distúrbio da paixão. 



José Jorge Letria
Próximo post: Mimesis e Catarsis