domingo, 4 de março de 2012

Mail #4: O lugar da Filosofia (1)

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Estou a dever uma resposta a esta muito interessante rapariga Brasileira há mais de um mês. Ela aborda temas filosóficos - está a cursar filosofia .e pede-me respostas quase imediatas, que servem para mais do que um post, creio! 
Então vamos construir o post da seguinte forma: o que está a itálico são citações do seu e-mail. O que está abaixo será a minha resposta, a minha opinião sobre aquele assunto. O que está entre [parêntesis rectos] são respostas minhas a e-mails antigos, que eu coloco para o leitor não se sinta desenquadrado.

Bom, quanto a definição de filosofia eu acho que a proposta técnica ao qual a colocou de fato interessante; aliás tenho meus desvaneios semelhantes quanto ao uso da filosofia [Sabes, a minha ideia da Filosofia é que ela deve ser essencialmente prática. A filosofia teórica que não tem aplicação e que não é um meio para resolução de problemas acaba por perder-se na cabeça dos filósofos ou em escritos que eles guardaram numa gaveta. Por essa razão, acho básico que a filosofia tenha uma correlação com a ciência e que ajude a resolver os problemas, éticos e não só, que ela levanta.] mas vou um pouco além por ver a filosofia como um todo. Um todo no sentido de abrangir todas as áreas. Não sou apatica ao praticismo, porém com estudos no desenvolvimento e na interação do cerebro humano receio que a criatividade deva abranger todos os campos da ciencia. Sendo assim creio que cabe a filosofia mediar as interações de uma ciencia com outra.

Quando eu falei em Filosofia como prática, não quis dizer que ela não era um todo. Muito menos quis dizer que ela SÓ tem aplicação prática. É claro que a Filosofia teórica tem que começar por existir para depois se poder praticar. É como construir uma casa sem um arquitecto ou desenhador - simplesmente não se pode fazer. Creio que com a Filosofia acontece o mesmo. Aquela que aprendemos na Universidade é só um guia, alguma coisa que nos faz despertar para aquelas áreas na qual a podemos aplicar. Falei em ciência e em ética porque são realmente as minhas áreas de interesse por excelência, mas é claro que também está presente na estética, na matemática (se a considerarmos à parte de outro tipo de ciências como a medicina, a biologia, a química...). De uma forma mais generalizada, digo que a Filosofia é a 'cola', o preenchimento das mais variadas áreas do saber. O que acaba por ir de encontro àquilo que me disseste no mail seguinte e que passo a citar:

Quanto à ideia da ciencia mediar refiro-me ao estudo de filosofia da ciência e suas ramificações. Os laboratórios estão finalmente se tornando interdisciplinares, e por mais que a filosofia não seja uma ciência, ela está a par do que faz ou deixa de fazer uma ciência; aliás ironicamente ela está bem mais a par disso do que as próprias ciências. 

Não podia concordar mais. É como digo, a Filosofia vai acabar por se ocupar da base científica. Em vez e fazer experimentações científicas, acabará por nos dizer porque é que os resultados delas são válidos. Mas atenção: eu não quero reduzir a Filosofia a qualquer coisa que seja como a bengala da ciência. Aliás, acho que a Filosofia em si não é científica. Porque se fosse científica, seria uma ciência também. É exactamente por a Filosofia ser interdisciplinar, por a Filosofia conter em si um conhecimento mais alargado - ainda que não tão específico como a ciência - que permite o avanço da ciência como disciplina 'por excelência'. E aqui vamos bater numa área sobre a qual eu discuto imenso: até que ponto é que a Ciência reconhece o valor dos filósofos. Porque, sejamos sinceros, o nosso valor é quase nulo quando comparados a um engenheiro ou a um médico, ou a alguma profissão de renome. No entanto, não deixa de ser por acaso que isto mudou. Há umas boas dezenas de anos que a Religião era o foco central das pessoas. Quem era padre era o 'big boss' da sociedade e não havia ninguém acima dele. Basta olhar para a forma como Galileu foi tratado. Na Grécia antiga, os Filósofos eram os grandes Homens. Se o conhecimento estava acima de todas as coisas, então seriam reconhecidos como tal. O que me quer parecer é que a ciência ganhou uma presunção tal que, de lá de cima, os cientistas nos olham e perguntam que raio estamos a fazer quando decidimos passar uns bons anos da nossa vida a estudar Platão, Aristóteles, Nietzsche e pensadores do género. Como é claro, é bastante complicado posicionar a Filosofia e esta é uma tentativa muito fraca de o fazer. No entanto, acho que temos que começar a pensar sobre o assunto, mais que não seja por uma questão de sobrevivência, ou seja, temos que, no final do mês e com a Filosofia, trazer comida para casa. Por isso é que às vezes me ocorre que a organização do ensino em Trivium e Quadrivium não está totalmente errada. Quero dizer, não é por acaso que se considerou que estudar dialéctica e retórica era essencial na vida de uma pessoa. Por que raio a persuasão foi retirada do ensino? Às vezes pergunto-me se não deveria até estar proposta como disciplina no ensino secundário.
Outra questão que eu gostaria de abordar é o facto de a ciência achar que está no 'direito' de afogar os cursos/especializações na área de humanidades. Porque eu creio que todas as disciplinas devem trabalhar juntas. Acho perfeitamente plausível que um neurologista trabalhe com um filósofo - já agora, era mesmo o que eu gostava de fazer, investigação na área da mente - até porque ambos têm conhecimentos que pode fazer avançar, não a ciência, mas a humanidade, que é o que realmente interessa. E o que está abaixo confirma também a minha opinião:

Peça para um estudante de física ou qualquer área semelhante [para] descrever o que é ciência e leia o que compõe a ciência. A maior probabilidade é de ele confundir o tecnicismo tecnológico com a definição de cientificismo. A exemplo disso cito os estudos em filosofia da biologia, filosofia da física e suas ramificações; por mais que as areas científicas tenham muito bem capacidade de elaborar teorias, o fardo da prática recaiu muito no pensamento científico, o que elimina quase toda criatividade que se poderia ter e que, como neurocientistas perceberam, é uma das principais fontes do progresso intelectual.

Aqui, falas sobre criatividade e pensamento científico. Eu não creio que, pela razão de uma pessoa ter um pensamento científico, não possa ser criativa. Aliás, se trabalhar na área de investigação, tem mesmo que ser criativa, tem mesmo que vir com soluções fora do normal ou interpretações que nunca tenham sido dadas antes. Porquê? Porque se busca o avanço científico e ele não se faz de ideias pré-concebidas/pré-feitas, como cópias reformuladas das antigas. A prática científica não é necessariamente um fardo (por que havia de ser?) e eu confesso que me perdi um pouco nesta tua parte do mail. Se puderes explicar-me melhor o que queres dizer, eu agradeço. Além do mais, o que comprova a minha tese de que é preciso realmente criatividade para se ser cientista é o facto de tu mesma dizeres que as áreas científicas têm a capacidade de elaborar teorias. Se têm essa capacidade então é porque são criativas e uma forma de demonstrar essa criatividade é aplicando, através de construções de actividade experimentais, um pensamento que seja visível. Em resumo, a criatividade comprova-se quando a experimentação coincide com a teoria. 

(continua)

(Não posso deixar de postar uma musiquinha para os valentes que leram o post até ao fim! eheh! ;) 
Obrigada Daphne!)






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