Levou a família consigo para onde ia "em missão" (será que é assim que se diz, ou ando a ver demasiada televisão?), sendo que viveu em África - Moçambique, salvo erro. A minha mãe passou aí parte da sua infância, enquanto a minha avó e as amigas faziam croché e conversavam. Foi baleado e fingiu de morto. A minha avó chegou mesmo a achar que ele tinha morrido, até ser descoberto. Não sei nada sobre a guerra, mas por alguma razão, evito o assunto. Parece que tenho um medo enorme e às vezes tenho a sensação de que vou viver uma guerra - embora nem saiba o que isso é.

Quero casar com alguém com a doçura e bondade que eu sentia quando estava com o meu avô. Ele lá teria os seus defeitos, mas eu era tão nova e estive tão pouco tempo com ele, que mal me apercebi deles. Gostava muito de um dia voltar a falar com ele, gostava que ele me contasse todas as suas histórias de criança, gostava de saber a sua perspectiva de vida. Mas também não pergunto a ninguém, porque o que os outros me contarem vai passar pela peneira da sua alma e não me vai chegar no estado que eu queria que chegasse - original.
Foi o meu avô que me ensinou a nadar. Ele praticava natação e treinava pessoas para entrarem no exército. Lembro-me bem de montar nos baloiços (que construiu para mim) uma espécie de ferros de musculação, para se exercitar de manhã.
Tenho também a sensação de que ele já não gostava da minha avó e só se manteve com ela por uma qualquer questão que eu não consigo desvendar. Nem quero, de facto. Prefiro, neste caso, a ignorância. Até porque a minha avó, que está viva (e ainda bem!), está feliz e eu quero continuar a vê-la com estes olhos ignorantes do que com uns olhos toldados pelas histórias ou motivos que eu possa inventar.
Entretanto, o meu avô teve cancro no cérebro. Não me lembro de me terem dito, mas lembro-me de ir ao hospital vê-lo, uma vez. Tinha acabado de ser operado à cabeça (operação que veio a piorar todo o seu estado, pelo que me quis parecer) e cegou. Mais tarde, há cerca de um ano ou dois, a minha mãe disse-me que ele tinha chorado muito porque só tinha pena de não poder ver mais a sua neta. Eu também tenho pena de não poder ver mais o meu avô, mesmo que pense nele todos os dias. Não passa um dia sem que eu pense nele e isto é estranho. Às vezes penso nele até adormecer, ou quando vou ao ginásio, ou até mesmo a meio de um exame. Penso no que diria, no que faria. É como que o meu amigo imaginário. A minha sorte é que ele já existiu mesmo.

O meu avô seria uma das quatro pessoas a quem eu confiaria a minha vida.
Não fui ao funeral do meu avô. Lembro-me que quando morreu, eu tinha teste de história no dia a seguir. A minha mãe disse-me nessa noite, depois de já termos acabado o estudo. Chorei pouco, e acho que chorei porque me senti obrigada.
O meu avô ensinou-me a andar de bicicleta, numa bicicleta verde, primeiro com rodinhas, e depois sem elas.
Tenho saudades da pessoa que acho que o meu avô foi.