terça-feira, 5 de julho de 2011

Dia 61 - O sótão

Boa noite.

Às vezes, não sei por que escrevo. Dói-me na alma saber que há alguém que está meramente interessado na minha vida particular, que eu decido tornar pública, porque não me consigo comprometer comigo mesma. Preciso de um apoio, preciso de saber que sou vista e não sei se isto faz de mim alguém com uma extrema necessidade de atenção. Na verdade, tenho essa necessidade, mas não recebo pouca atenção. Antes pelo contrário.

Para mim, é mais fácil escrever do que falar. Fico tão ofendidinha com qualquer comentário falado, que às vezes não tem a mínima importância, e isso desaparece ao escrever. Ao menos, se falarem de mim, falam nas minhas costas. E eu não me importo. Não me importo, mas quero saber. É difícil explicar isto, mas a opinião que os outros têm acerca de mim, conta. Conta como me vêem e isso contribui para a minha felicidade. Acho uma hipocrisia quem diz que a opinião lhes passa ao lado. Acho que esse nível de indiferença sabedora provém da experiência, e a experiência faz com que não necessitemos de o apregoar, como muitos inexperientes fazem. Pobres.

Queria escrever isto num sótão, queria estar sozinha. Como que o sótão fosse o único sítio que estivesse vedado a outros pensamentos, a outras opiniões. Como que os sentimentos ficassem à porta e não mais pudessem entrar, até à minha ordem.
As palavras sair-me-iam fluidas, não teria que planear textos e estaria bem. Não digo que agora não esteja, não se passa nada disso. Estou feliz. Mas não tenho um sótão.

Olho-me no espelho e já lá não estou. Ele olha-me com indiferença, como que eu não fosse já importante para mim própria. Num sótão isto não aconteceria. Gosto de pausas. Acabei de me aperceber que escrevo frases curtas e muito pontuadas. A pontuação é uma coisa fantástica. O sótão pontuaria a minha vida, seria um lugar de reflexão. Seria o ponto, a vírgula e os dois pontos de uma vez. Não seria reticências, porque elas indicam o que fica por dizer. E nada em mim pode ficar por dizer.

Afinal, é por isso que escrevo. Escrevo porque não quero reticências. Escrevo, sim, porque quero ser lida, sem medo do esquecimento. Quero ser um post-it de vez em quando. E quando estiver velho e cansado, atirem-nos para o lixo. Para o caixote vintage onde guardam os papéis que já não serve. Num sótão.
Próximo post: Mimesis e Catarsis