sábado, 10 de setembro de 2011

As Lições dos Mestres

Ensinar caiu em desuso. Quando alguém diz que quer ser professor, é logo apunhalado com comentários derrotistas, que deitam facilmente qualquer pessoa abaixo. Nunca quis ser professora, mas se me sugerissem ser, aceitaria facilmente.
Todos sabemos que ensinar é nobre, mas ninguém o quer fazer. E não falo só da falta de desemprego que por aí anda, como um bichinho papão que nem deixa as pessoas arriscarem, mas do status que isso dá.

Só se torna professor hoje, aquele que gosta daquilo que ensina. Todos nós tivemos muito más experiências com professores que não queriam saber dos alunos, que faltavam, que se esqueciam de datas de testes ou que só o eram para desenrascar. Na verdade, queriam ser engenheiros, químicos, médicos ou qualquer outra profissão que não aquela.  E actualmente, a nossa era é como uma espécie de anti-ensino. Posso contar pelos dedos o número de professores que tive que me acenderam uma chama na alma. É o caso da minha professora de Português, História e Formação Cívica do 5º ano, cuja história de Portugal ainda hoje sei devido às suas aulas e os seus conselhos de Formação Cívica ainda me vêm à cabeça muitas vezes; a minha professora de Matemática do 5º e 6º ano; o meu professor de Português desde o 7º até ao 10º ano (e consequentemente a minha professora de Português do 12º ano, que curiosamente tinha sido orientadora de estágio deste último); o meu professor de Filosofia do 10º ano; o meu professor de Filosofia do 11º ano; a minha professora de Biologia do 11º e 12º anos... e de momento não me ocorre mais nenhum. No entanto, faltarão um ou dois, sem contar com os de Faculdade.

Um professor deve transmitir aos alunos a sua alma. Deve atribuir-lhes poder, deve fazê-los amar. Deve permiti-los sonhar. Procuro carisma, procuro gosto, procuro críticas e criticar. Deixei de querer professores anónimos, cujo objectivo é tão-somente atribuir um número a um aluno. Fico feliz quando os resultados são bons. Mas é bastante melhor ter um resultado mediano e saber que o que se sabe é bastante mais do que está escrito no exame. Lembro-me muito bem que o meu professor de Filosofia do 11º ano dava aulas (pensávamos nós) sobre nada. Falava sobre o peso das nuvens, falava sobre como é que se construía um avião e no meio daquilo, inseria disfarçadamente umas noções filosóficas, que nós retínhamos, sem sequer nos apercebermos. Mas qualquer pessoa pode inserir aqui o seu professor louco, com quem acharam que o que aprendiam era meramente uma brincadeira de crianças.
Quando cheguei à faculdade, houve muitas coisas que esse professor nos disse que me voltaram à memória. Isto só para confirmar que o verdadeiro mestre não é uma fantasia ou uma utopia romântica incansável. E muito sonhava eu naquelas aulas de Filosofia, quando o professor nos falava dos jardins de Academus, senhor proprietário de um bosque onde se praticavam artes marciais e se discutiam os variados assuntos, sem me aperceber no entanto, que floresciam do professor esses jardins e que eu estava neles.

Não há maior maravilha do que percorrer
as alturas estreladas, abandonar as lúgubres regiões da terra,
cavalgar as nuvens, subir aos ombros de Atlas,
e ver muito distantes, lá em baixo, as pequenas figuras
que vagueiam e erram, desprovidas de razão,
inquietas, no temor da morte, e aconselhá-las,
e fazer do destino um livro aberto.


George Steiner, As Lições dos Mestres, trad. Rui Pires Cabral, Lisboa 2007
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