terça-feira, 22 de novembro de 2011

Histórias de escola #2



Quando eu tinha dois ou três anos, andava numa cresce em Olhão. Era mista, usávamos todos batas aos quadrados verdes e brancos e a minha sala era a do elefante. Engraçado que uns anos depois, vim a desempenhar o papel de elefante numa peça de teatro que fiz e só agora me apercebi da coincidência. 
Tinha uma grande amiga, a Rute, que era ruiva com sardas e muito branca e outra que era preta com um cabelo de carapinha que eu sempre invejei. Nunca mais soube delas e tenho curiosidade em saber o que fazem agora. Ainda nessa altura, a minha mãe via um programa do Herman José onde ele (ou alguém, não tenho bem presente) fazia de Rute Remédios e eu lembro-me de a chamar assim. A minha educadora chamava-se Anabela e estava grávida. Lembro-me que ela era muito alta, tinha os cabelos escuros em caracóis grandes, mas eu não gostava dela. 

A nossa sala ficava mesmo em frente à porta de entrada da cresce e depois só tínhamos que virar à esquerda quando entrávamos e atravessávamos um corredor que me parecia enorme e que nos fazia percorrer as várias salas. No final do corredor eram as casas de banho e do outro lado, o refeitório. 
Nunca tive nenhum problema para comer, mas era (e ainda sou) muito aselha. Estava sempre a tropeçar nos pés e deixava cair tudo. Numa ocasião, entornei o copo de água do tabuleiro. Ainda me lembro bem, quase em câmara lenta, como o copo se entornou. Caiu em cima da mesa, partiu-se e a água espalhou-se até aos pratos dos outros meninos. Fiquei tão triste e a educadora disse que da próxima vez que fizesse aquilo, ficava de castigo. Mas eu não tinha feito de propósito.

No dia a seguir, não sei bem porquê, fiquei logo com medo quando entrei no refeitório. E mais uma vez, pela segunda vez, entornei o copo com água, ele partiu-se e ela espalho-se. Então a educadora levou-me para a porta do refeitório, fez-me sentar no chão e disse-me para olhar para o fundo do corredor, que ia vir o papão para me comer como castigo por ter derramado a água. Lembro-me bem que morri de terror, mas quando cheguei a casa, não disse nada à minha mãe, com medo que ela se chateasse por causa do copo de água. E a situação repetiu-se durante mais de uma semana, seguramente. Sei que aqueles dias de seguida a entornar o copo com água foram quase insuportáveis.

Até que a determinada altura, a professora veio pôr a Rute comigo, de castigo também. Não me lembro da professora ter dito alguma coisa à minha amiga sobre o papão. Mas a Rute sentou-se ao meu lado e ainda tenho as palavras dela na memória. 'Fiz de propósito, vim ter contigo'.
E a partir daí, continuei a ser castigada (mas que mãos de manteiga!) e nunca mais tive medo do papão que nunca apareceu.

Como é que uma pessoa se lembra de tantos pormenores com dois ou três anos é impressionante.
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