quarta-feira, 9 de novembro de 2011

'Mares morenos no meu coração'

E eles olhavam-se, amavam-se e não se conheciam. Ela colhia flores a pensar nele, ele escrevia o nome que mais se encaixava nela dentro de pequenas caixas no calendário de mesa do seu escritório. Entreolhavam-se enquanto ela subia o até ao Marquês na sua bicicleta, enquanto o seu vestido branco com florinhas esvoaçava e deixava ver um pouco do algodão das cuecas. Ele descia com pressa, com sapatos engraxados e fato comprado e escolhido a dedo pela mulher. A luz da avenida desdobrava-se em paixão e eles tocavam-se em pensamento e riam em conjunto e faziam um jogo mental. Eram um do outro e só eles sabiam.
Numa dessas tardes douradas que caiu sobre Lisboa, ela travou ao lado dele, ele parou de andar e voltaram a olhar-se - não sabiam como agir. Ela tirou os ténis brancos, as meias bordadas, o lenço da cabeça. Ele tirou o casaco, as calças e os sapatos. Ficaram em roupa interior. Ela abriu o livro que estava dentro da sua cestinha, ele agarrou a mão dela e caminharam até ao seu interior. Inundaram-se de amor, inundaram-se de palavras ditas e repetidas, deixaram que o seu coração amolecesse.
'Diz-me agora o teu nome, se já dissemos que sim...', pensou ele.
Trocaram pendentes.
Por dentro sonharam, 'diz-me que sou teu', 'abraça-me'...
Uma corda de viola fez-se soar e eles uniram-se.
O livro fechou-se para sempre, para ninguém acreditar que histórias de amor são possíveis.

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