domingo, 11 de dezembro de 2011

A minha mãe

Ontem conversava sobre eu ter gostos iguais aos da minha mãe, de ser parecida com ela de cara e de aspirar ser a minha mãe. Houve um dia, inclusive, que lhe disse isto a ela, ao que a dita ficou quase escandalizada, mas aposto que sentiu um quentinho lá por dentro. Que não era exemplo para ninguém, apregoava ela, que eu era melhor que ela e essas coisas todas que se dizem, sem eu nunca ter percebido muito bem porquê.

A verdade é que sempre fui menina da mamã, muitas vezes contra a vontade dela, que eu sei. Uma colas, basicamente. Lembro-me de, inclusive, ter uns doze ou treze anos e de lhe prometer que nunca ia escolher os meus amigos em vez dela. Não me lembro o que me respondeu, talvez tenha só ficado a olhar para mim com ar de que diz 'sim, claro...' ou então disse qualquer outra coisa que foi importante na altura. De qualquer das formas, mantive a promessa...até a quebrar uma vez. 
O dia já ia longo, eram umas oito ou nove da noite e a minha mãe estava sozinha em casa comigo. Tinham-me convidado para ir ao cinema e para depois dormir na casa de uma das minhas amigas e eu fiquei todo o dia a sentir-me mal porque ia deixar a minha mãe em casa. Achava que ela não ia sobreviver sem mim, achava que eu era demasiado importante para não a poder largar. Uma total dependência emocional e física da minha parte, admito. Nessa noite acabei por me ir embora na mesma, mas tendo sempre a promessa na cabeça. Até acho que lhe enviei uma mensagem para saber se ela estava bem, tal não era a minha necessidade de sei lá o quê. O tempo foi passando, eu fui crescendo e esse desmame foi feito à força quando entrei na faculdade. E para minha surpresa, não foi mau de todo. Achei que me ia sentir muito mais sozinha do que me senti e achei que ia morrer sem ela. Não se passou nada disso e sobrevivi como uma linda menina. Na verdade, sempre que volto a casa, acabo por ter a mesma sensação de orgulho nela (e em mim, se por acaso seguirmos por uma via budista em que nós é que escolhemos a nossa mãe quando transitamos de uma vida para a outra... mas isso são outras conversas. Por acaso ia ser o meu tema de hoje, vidas passadas e a perspectiva budista do futuro, mas achei que falar de religião num post esta semana era mais que suficiente) mas a dependência passou. E isso faz-me pensar bastante. 

Acredito que hajam gostos que nos são passados quando nós somos mais novos e que depois florescem a determinada altura. Um exemplo tenho-o eu mesmo aqui à mão. 
Quando era miúda, odiava flores e decoração de casas. Aliás, até bem tarde, até ter uns dezasseis anos ou dezassete. Irritavam-me os montes de revistas de decoração, escolher cores, posicionar sofás, encomendar... A única coisa da qual gostava era de ver os preços, o que é um bocado ridículo, e ver onde era mais barato determinado produto. mas nem isso eu fazia, dado que os produtos em causa não me interessavam minimamente. Quanto às flores, até posso dizer que venho de uma tradição bem florida, já que a minha avó tem 'mão verde' e a minha mãe adora-as. Sempre vivi com flores em casa, que ao contrário das revistas, não me incomodavam, mas eram-me indiferentes. 
Pois bem, logo depois desse desmame que foi mudar de cidade para vir para a Faculdade, comecei a aperceber-me que entrava em lojas de decoração só para ver. Eu, Laura, que sempre que passávamos à frente da 'Loja do Gato Preto' olhava a minha mãe com olhar fulminante, dizendo 'Nããããão, não vamos entrar!' ao que ela respondia 'Só um bocadinho...', passei a fazer o mesmo. Perdi-me durante umas boas horas na Área do Colombo, feita parva a ver candeeiros ou sofás.
As flores vieram depois e esse gosto culminou num dia em que eu vinha da faculdade e fiz um desvio de propósito para comprar uma flor para a pessoa que vivia comigo, só para lhe dizer que gostava muito dela. Só não comprei um ramo porque era muito caro, devo dizer. E a partir daí, fizeram-me falta as flores em casa.

O que me era indiferente, passou a ser belo.
Não sei bem a quem agradecer por isso, mas
agradeço de qualquer forma

Essa obsessão, admito que era, trouxe alguns problemas no que toca à escola. Não sei porquê, mas os meus colegas meteram na cabeça a determinada altura que era a minha mãe que fazia os meus trabalhos por mim. É verdade que foi um capítulo encerrado rapidamente, mas não posso deixar de me lembrar de um episódio em que uma colega me disse exactamente isto e eu respondi-lhe 'Cala-te, eu sou superior ao que dizes!'. Não podia ter sido a) mais convencida e b) ter dado uma resposta mais errada do que aquela. Começou a correr pela turma que eu me achava superior, quando as minhas palavras foram totalmente mal interpretadas. Engraçado que eu e essa colega nunca mais nos falámos mas tenho cá para mim que temos um ódio de estimação uma pela outra, já eu nem sei bem porquê.

Mas com isto tudo, o que eu quero dizer é que acredito mesmo que esse desmame foi feito na altura certa e nas melhores circunstâncias e o que eu achava que se ia suceder (que quando entrasse para a faculdade, nunca mais ia falar com a minha mãe e íamos começar a ser estranhas uma para a outra) não se sucedeu de todo. Não sei bem por que razão pensava isto, mas a verdade é que sim. Da mesma forma que pensava que quando casasse e tivesse filhos, nunca mais ia falar com ninguém da minha 'anterior' vida. O que eu não conseguia conceber é que todos os acontecimentos estão interligados e que é impossível destrinçar uns dos outros, mesmo que queiramos. Não percebia que tudo é uma continuidade e era isso que criava um apego tão grande à minha mãe, que só personificava o que eu não compreendia. E mais: não percebia como é que se pode fazer um corte e a relação evoluir para um patamar diferente, mais saudável e sobretudo, mais adequado à idade da pessoa. Creio que essa aprendizagem ainda está a ser feita, mas ter compreendido que tudo é contínuo e que nada se apaga, a não ser que queiramos (e mesmo assim, é complicado) deu-me uma injecção de confiança no que toca a relações. 

Tudo é contínuo.


Claro que a minha parte 'cola' ainda se mantém, um bocadinho... Mas, vá lá, é só nos primeiros dias das férias ;)
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