quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Gala Dalí (ou como fazer sexo oral) - parte 2 de 8

Já comecei este post há dois dias mas a escrita não me fluia, parecia que o ambiente não era adequado. Não o guardei nos rascunhos e hoje recomeço a minha faseada interpretação dos quadros no Reina Sofía.

Começo, então, desta forma:


Não consegui encontrar online o nome deste busto nem a data. Erro meu, não ter tirado fotografia à identificação. Mas passemos adiante.
A primeira coisa na qual reparei quando olhei foi que não conseguia entender se era um rosto de homem ou de mulher. E se cortarmos o rosto na horizontal pela altura do nariz, dá a sensação que a parte de cima é uma mulher e a parte de baixo, um homem. O que por si só divide a escultura em quatro secções.
Dalí era um homem que adorava dar nas vistas. Uma vez, foi a Nova Iorque e andou, na noite de ano novo, com um sininho na mão a agitar para que todos o vissem. Por isso, não é de todo errado interpretar aquela janela na bochecha direita como que uma saída para a liberdade, para o desconhecido infinito. Esse desconhecido é o céu. Assim, simples, o céu, aquele que é responsável pela fecundidade da Terra, segundo algumas cosmgonias. O símbolo por excelência da criação. Mas repare-se que o céu está pintado em gradiente, como se a própria escultura fosse uma autobiografia do pintor, dado que quando ele começou a entrar no seu estilo carcaterístico de pintura, foi como se desse um pontapé numa parede rígida e se o mundo se abrisse para ele - com o mundo aberto mesmo ali ao lado, junto de pintores famosos, que ele fazia questão em seguir e criticar.
No momento em que estou a escrever isto, voltava a dar mais uma olhadela à imagem para prosseguir para o próximo tópico, quando reparei numa coisa interessante que devia ter reparado logo no início. Sabemos que Dalí usou com muita frequência a sua mulher para se inspirar para as suas pinturas. Ela foi, na verdade, a sua musa inspiradora. Rapidamente entrei no Google e pesquisei 'Gala Dalí'. Foi isto que encontrei:







Começo então a dar-me conta que o busto não é mais que uma imagem de Gala, uma vez mais. O que muda parte da minha interpretação planeada. Tinha escrito que esta escultura era como um desejo dele de cair na realidade, por ser um rosto humano, mas mesmo assim conservar todas as partes de si, o sonho, o desejo e aquela que demonstra a sua inexperiência, representada pelos tijolos. Mas agora percebo que o que lhe aconteceu foi que encontrou em Gala tudo aquilo que eu achava que ele ainda queria encontrar. Para mudarmos de tópico, deixo só aqui outra imagem dos dois, que me pareceu muito carinhosa e a qual nunca tinha visto:


Deparei-me algum tempo com a boca. Não consigo compreender se é um meio sorriso, se demonstra serenidade ou um qualquer outro sentimento. No entanto, repara-se que está fechada, ao contrário, dos olhos, que estão abertos. Cada vez mais vivemos numa era onde pouco se observa - falas-se demasiado e falar é tido como sinónimo de inteligência. Mas não é por acaso que os grandes génios faziam retiros ou mesmo os líderes espirituais; por exemplo, Jesus passou 40 dias no deserto. Quer seja através de redes sociais ou não, temos sempre opinião sobre tudo em vez de meditarmos a sério sobre aquilo que nos rodeia. Parece que está reservado aos génios muito pensarem e pouco dizerem: pelo menos de seguida. Essa boca fechada em conjunto com os olhos abertos pode muito bem ser um sinal disso: que é necessário observar. Como li há pouco tempo num outro blogue, até parece que já não é só o simples - e discutível - facto de pensar que nos faz existir, mas dá a sensação que podemos mudar a célebre frase para: 'falo, logo existo'. Embora os olhos estejam a abrir-se (e não se estão a cerrar, porque só a abertura dos olhos nos permite recolher a arte visual através do sensível), pode notar-se que não estão completamente abertos. Se eu quiser ser bondosa para o Sr. Convencido, podia dizer que este foi um gesto de humildade da sua parte: afinal, pode ser transformada numa admissão pública de que ainda não sabe tudo, mas só através do surrealismo pode chegar mais longe do que o visível quotidianamente. E esse surrealismo não tem limites, assim como a realidade visível e sensível.

Por último lugar, esta escultura fez-me lembrar este clip do João César Monteiro. A determinada altura dei por mim a olhá-la e a parecer-me mesmo este cineasta. Se no caso de Dalí, ele esculpe os pensamentos e a liberdade directamente na cara de Gala, como se ela fosse um espelho do que ele sente, César Monteiro faz o mesmo em nós. Mantém o ar sério, os olhos semicerrados e a ironia e incongruência que Dalí apresenta. 
A única diferença é que abre a boca.


Próximo post: Mimesis e Catarsis