segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Mas não te repetes

Miró


Sei que vou ficar para sempre sozinha. Mesmo que agora goste, mesmo que volte a gostar amanhã, o meu fim cumpre-se na solidão.
Janeiro 2009

Escrevia e pensava nisto a toda a hora. Mesmo que as palavras me saíssem toscas e comuns, sentia e senti durante muitos anos. Imaginava que ter um filho era a única coisa boa que me podia acontecer: estava a fazer nascer alguém de graça, para depois essa pessoa me pagar as dores de parto - e de solidão - com o seu amor incondicional. 
Costumava sonhar que estava num hospital, quase a ter um bebé, com um vulto à minha esquerda. Estava claro e a luz da sala encandeava-me, por isso não conseguia ver médicos, nem enfermeiras. Depois esse vulto agarrava-me na mão e eu tinha a criança. Ela era posta em cima de mim e eu aplaudia na minha cabeça, como que o meu egoísmo tivesse sido finalmente exteriorizado. Assim que estava tudo bem, o vulto desaparecia - era uma companhia de aluguer que eu contratara para me dar a mão durante o parto. Em seguida, via-me numa espiral e descia por essa espiral abaixo com o bebé no colo, os dois nus, lavados e incondicionalmente um do outro. Até que caíamos dentro de água e quando me apercebia, estava dentro da placenta da minha mãe, com o meu próprio filho. Acordava sempre nessa fase, completamente afogada pelo líquido amniótico. A almofada estava, invariavelmente, por cima do meu nariz. 

Como disse, este era um sonho recorrente. E acordava feliz, porque naqueles segundos, alguém tinha sido meu e dependia de mim.

Entretanto, apareceste. Às vezes imagino os teus cabelos na minha cara e o seu cheiro. Imagino que fechas os olhos e adormeces no meu colo, ou que te deixas embalar por movimentos repetidos nas minhas mãos pela tua pele. Às vezes, quando te escrevo, sinto medo bom, sinto capacidade de te fazer crer nas minhas histórias e pela primeira vez não precisei que entrasses nos meus sonhos: os meus sonhos eram os teus. Aos poucos, crescemos e cresceu. 
Talvez haja por aí mais alguém como tu. 
Mas tu não te repetes, porque o teu encaixe é em mim.
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