terça-feira, 27 de março de 2012

O namoro

Era um rapaz alto, vestia sempre uma t-shirt. Barba comprida, cabelo comprido, vinte e tal anos. Houve uma altura em que namorou com uma amiga minha, que era baixinha e com a qual tive algumas desilusões. Eles amavam-se e foi com eles que conheci algumas partes escondidas do amor. Tinham uma forma estranha de estar apaixonados. Ele estudava na faculdade à frente da nossa, era só necessário atravessar o relvado na diagonal. E mesmo assim, não se viam todos os dias. Trocavam mensagens, como se estivessem longe, mais longe do que estavam. Diziam que tinham saudades um do outro, com o outro ali mesmo à frente. E eu confesso que não percebia. Mas também não percebo muitas coisas.

Às vezes dá-me a sensação que tudo é mais fácil do que é realmente. É fácil expressarmo-nos e mesmo que não consigamos, se tivermos alguma intimidade com a pessoa, percebemos o que ela quer dizer, já que o vocabulário é próprio e cada um aprende o do outro. Por exemplo, sei que quem lê o meu blogue e me conhece pessoalmente, sabe o que quero dizer quando digo a palavra 'mãe'. Porque se consegue pôr na minha posição. Mas por outro lado, quem só o lê e me vê como uma anónima, vai achar que eu quero dizer 'mãe' e vejo 'mãe' da mesma forma que o leitor a vê. Inconscientemente fazemos esse raciocínio e só com o hábito ou com algumas explicações adicionais é que consegue começar a perceber. Por isso é que julgo que ler é tão bom: porque pensamos que entramos no autor do livro e na história, mas na verdade entramos em nós mesmos. Somos estimulados de formas diferentes, mas tudo está em nós e só redescobrimos, qual Aristóteles. 

Voltando ao namoro: eles não se compreendiam. Tudo era muito sexual, quer-me parecer, disfarçado de intelectualidade. Ambos gostavam de filosofia, ambos liam muito. E ambos eram tão egoístas ao ponto de se disfarçarem de namorados um do outro, mas sem nada que dar. Quando me diziam que eram o amor da vida um do outro, eu não acreditava. Acreditava que eram uma espécie de amor platónico da vida um do outro, como qualquer pessoa já teve por um professor ou por alguém que idolatra. Mas que não se amavam como diziam que se amavam, isso é certo. No entanto, para o que eu estou a escrever, isso nem é muito importante. O que é importante dizer aqui é que essa forma estranha de estar apaixonado causava-me alguma repulsa. Causa-me repulsa que uma pessoa diga que sente 'x' mas acaba por não fazer nada quanto a isso, então estamos mal. E no caso deles, tinham os dois uma personalidade tão depressiva que por vezes eu sentia que eu é que segurava a sua relação, mesmo não fazendo parte dela. 

Quanto a decidir não tomar decisões quanto às coisas e deixá-las arrastar, não creio que seja porque não se sabe o que fazer. Creio que isso acontece porque se sabe demasiado bem qual é a decisão que deve ser tomada e por isso tem-se medo - algum medo estranho - que essa decisão traga consequências demasiado negativas. 
Sei que a maioria não concorda comigo. Mas se parto do princípio que tudo está em nós e que só identificamos no exterior o que já existe no nosso interior, então não faria sentido eu desenvolver toda uma teoria sobre a impossibilidade de tomar decisões simplesmente porque não se sabe o que fazer. 
E convenhamos: para nosso próprio bem, é melhor acreditarmos que tomámos sempre a melhor decisão, baseada nas circunstâncias do momento, mesmo que depois pareça absurda.
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