segunda-feira, 26 de março de 2012

Dias raros, por ela

São raras as músicas que adquirem outros sentidos que não os iniciais quando foram ouvidas pelas primeiras vezes. Como os filmes, alguns. As músicas marcam momentos e a determinado ponto só os conseguimos explicar se mostrarmos ao nosso interlocutor a dita. 
O que acontece é que nós vamos mudando, a nossa experiência vai-se acumulando e a determinada altura vamos ouvir uma música para nos lembrarmos de uma qualquer situação passada que nos foi querida, acabando por atribuir a essa canção um total novo significado, baseado na nossa experiência ou sentimento mais recentes.

Lembro-me ainda da primeira vez que a ouvi. Era adolescente, a música tinha acabado de sair e era o hit do verão. Uma vez, à noite, na casa de Lisboa, estavas de perna cruzada no sofá e desligaste a televisão. Eu estava a ler noutro sítio. Chamaste-me depressa, puseste o rádio mais alto e disseste que era aquilo que sentias quando sentias a minha falta. E que às vezes choravas de saudades minhas. E que eu não ia perceber aquilo enquanto não tivesse um filho, porque só se sente um amor tão grande quando se é pai. Também me recordo de me teres agarrado com muita força enquanto cantavas as palavras atabalhoadas que te saíam imediatamente depois dela cantar, como quem queria, à primeira vez que ouve, saber a letra de cor por se identificar tanto com ela. Depois a música acabou e cheirei o teu desodorizante à medida que me largavas. Deitaste uma lágrima, deste-me um beijo na bochecha e aquele momento ficou-me gravado.

Hoje, quis voltar a ele. Mas não foi isso que aconteceu. Em vez disso, consegui exactamente sentir o que tu me disseste que sentias naquela noite de Verão. Não por ti. Mas por ela.


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