São raras as músicas que adquirem outros sentidos que não os iniciais quando foram ouvidas pelas primeiras vezes. Como os filmes, alguns. As músicas marcam momentos e a determinado ponto só os conseguimos explicar se mostrarmos ao nosso interlocutor a dita.
O que acontece é que nós vamos mudando, a nossa experiência vai-se acumulando e a determinada altura vamos ouvir uma música para nos lembrarmos de uma qualquer situação passada que nos foi querida, acabando por atribuir a essa canção um total novo significado, baseado na nossa experiência ou sentimento mais recentes.
Lembro-me ainda da primeira vez que a ouvi. Era adolescente, a música tinha acabado de sair e era o hit do verão. Uma vez, à noite, na casa de Lisboa, estavas de perna cruzada no sofá e desligaste a televisão. Eu estava a ler noutro sítio. Chamaste-me depressa, puseste o rádio mais alto e disseste que era aquilo que sentias quando sentias a minha falta. E que às vezes choravas de saudades minhas. E que eu não ia perceber aquilo enquanto não tivesse um filho, porque só se sente um amor tão grande quando se é pai. Também me recordo de me teres agarrado com muita força enquanto cantavas as palavras atabalhoadas que te saíam imediatamente depois dela cantar, como quem queria, à primeira vez que ouve, saber a letra de cor por se identificar tanto com ela. Depois a música acabou e cheirei o teu desodorizante à medida que me largavas. Deitaste uma lágrima, deste-me um beijo na bochecha e aquele momento ficou-me gravado.
Hoje, quis voltar a ele. Mas não foi isso que aconteceu. Em vez disso, consegui exactamente sentir o que tu me disseste que sentias naquela noite de Verão. Não por ti. Mas por ela.