terça-feira, 10 de abril de 2012

Esperança

Estive uma semana ausente e da última vez que me sentei nesta mesma cadeira, neste mesmo espaço, já pouco restava de mim a não ser esperança. Agora tenho-a para sempre, parece que sou alimentada por uma fonte.
Por exemplo, hoje fiz a viagem de São Miguel para Lisboa. A senhora que estava ao meu lado, alta, magra, com um casaco esverdeado nos joelhos, olhava em frente. Adormeci e quando acordei para comer, qual bebé esfomeado, o senhor que estava ao lado dela atirava-lhe beijos com os olhos. Tinha um olhar nervoso, triste, mas menos triste do que o dela. Creio que se identificou.
Ela não lhe dava troco. Bebeu o sumo, recusou a comida. Olhou nervosamente para o relógio enquanto ele falava na esperança que ela lhe dissesse qualquer coisa que o animasse. Queria sentir-se reconhecido por alguma coisa, diria eu, mas ela tinha problemas bastante mais graves que resolver.

Aterrámos. Ela ligou rapidamente o telemóvel enquanto os outros passageiros se demoravam a levantar e a tirar as malas dos compartimentos. Digitou um número que sabia de cor e, em voz baixa, disse: vou apanhar o comboio para Coimbra. Sim, sim, agora. Daqui a três horas estou aí, diz-lhe que não morra, que me espere.

Fez-se silêncio, enquanto uma voz fina do outro lado falava. Ela escutou e disse:

Mas o que é que disseram os médicos? Pois. Tenho que desligar, vou sair do avião. Ele que não morra, diz que estou a chegar. Dá-lhe a mão por mim.

Vestiu o casaco, atirou o telemóvel para dentro da mala e saiu depressa do avião. O senhor que lhe dirigiu conversa durante o voo foi empurrado para fora na sua cadeira de rodas. Com tanta frieza como tinha sido empurrado por ela. Mas mesmo assim, sorriu para mim - creio que de esperança.


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