sábado, 28 de abril de 2012

Um bocadinho de mim #1

Sempre foi meu desejo estudar fora do país, um dia trabalhar noutra língua, noutra cultura, com outro tipo de pessoas. Sempre achei que Portugal era pequenino e as gentes, embora bondosas, tinham pouca cabeça e eram poucochinhas. Lembro-me de muitas vezes estar a estudar e o que me fazia não parar era o facto de um dia poder sair dali, ter boas notas e nunca mais em Portugal pôr os pés. Houve muita gente que depreciei mentalmente por não terem os mesmos objectivos que eu ou, como costumava dizer, por não terem a mente aberta.

Entrei na faculdade num ano par. E assim que entrei, decidi que ia fazer erasmus. Engraçado que, embora a entrada na faculdade fosse para mim o final da linha, já que nunca tinha pensado no que queria fazer depois dela, eu não me sentia minimamente pressionada por, pela primeira vez, não ter planos para o futuro. Julgava que havia de chegar o meu momento e que só teria que dar o meu melhor. 

Mas se o momento em que decidi que ia tirar o curso de Filosofia foi na minha primeira aula desta disciplina - um dia conto - o momento em que decidi ser Consultora Filosófica foi tão rápido como o primeiro. Era uma Quarta-feira de Inverno e eu só tinha aquela aula naquele dia. Ainda me perguntei se valia a pena sair de casa com toda aquela chuva para ir a uma aula onde o professor era confuso e estranho, para depois voltar para casa sem ter aprendido nada. No entanto, como usualmente me sinto culpada por não ir às aulas, cedi.

Entrei já atrasada e ao que parece o professor tinha convidado uma senhora chamada Conceição Machado  para dar a aula por ele. Era sobre consultoria filosófica, assunto sobre o qual eu já tinha lido um ou dois livros mas pouca atenção tinha prestado. Absorvi tudo o que disse e no final, simulámos uma consulta. Curiosamente, eu 'fiz de' consultora filosófica, no meio de outros que também queriam fazer. No final, enchi-me de coragem e fui falar com a senhora, sendo que lhe pedi o contacto. Mais tarde, soube que conhecia o meu pai há algum tempo. Foi aí que decidi, nesse momento, que o que queria era trabalhar com a mente e as emoções das pessoas e ser capaz de as compreender. Há quem diga que quanto mais conhece as pessoas, mais gosta dos animais. Eu, quanto mais conheço as pessoas, mais gosto de pessoas. 

Entretanto, mais ou menos por essa altura, namorava. Uns meses depois rompemos e eu sofri um desgosto de amor gigante durante pouco menos de um ano, mais tempo do que tínhamos andado. No dia seguinte a termos acabado, pus os papéis para erasmus, inscrevi-me num curso de língua e hasta la vista Portugal. Era agora que ia começar a minha nova vida, era agora que ia insistir na minha carreira e era agora que ia investir em mim. 

Cheguei ao meu destino e não gostei imediatamente de estar neste país. Mas estava finalmente sozinha, sem conhecer ninguém, a ver se me passava o desgosto e se tomava conta de mim como devia ser. 
Vir-me embora não é a expressão certa - eu fugi de Portugal. Afinal o meu sonho de vir para outro país estudar feliz e contente tinha-se transformado numa fuga da mágoa que sentia e achava que ela ia ficar em Portugal enquanto eu vinha tratar de outros assuntos noutro lado. Mas não foi isso que aconteceu e a lição mais valiosa que tirei de toda a experiência foi que a distância adoça o que é tendencialmente doce e amarga o que ainda está por amargar. 

Foi aqui que me dei conta que vivi toda a minha existência a menos de 20km de distância da pessoa com quem actualmente namoro. Foi aqui que me apercebi que estivémos nas mesmas festas, conhecemos as mesmas pessoas e temos os mesmos interesses sem nunca nos termos conhecido. E foi aqui que pela primeira vez senti umas saudades loucas de Portugal, sendo que a primeira vez que lá voltei, no Natal, chorei de alegria.

O desgosto de amor passou.
O amor que eu tinha 'em excesso' dentro de mim, pôde ser libertado.
Os planos para o meu futuro são cada vez mais reais e concretizáveis.

Isto tudo veio porque eu fui cobarde e vim esconder-me noutro país, que só me demonstrou que tinha as portas todas abertas. O problema era que não sabia para onde me virar.
A distância magoa muito actualmente... mas fez milagres em menos tempo do que eu esperava.

Não é por isto que eu deixo de querer trabalhar fora do país nem é por isto que eu acho que a minha vida está completamente definida. O que me ensinou é que é bom ter planos e sermos fiéis a eles, mas a vida dá muitas voltas que nós mal percebemos. Ainda parece que ontem entrei neste quarto, desolada, tristonha, sob um sol de final de tarde de verão. Foi esse o último dia em que vi o meu pai e foi nesse dia que a minha vida começou a sofrer um impulso que eu não poderia sequer imaginar. Se me tivessem dito que sete meses depois iria estar onde estou, ter-me-ia rido e encolhido os ombros. 

Nem tudo é preto. Nem tudo é branco. Mas sem dúvida, tudo está encaixado.
Próximo post: Mimesis e Catarsis