quarta-feira, 29 de junho de 2011

Dia 54 - O descuido das palavras, sentido por um sapato deixado ao relento

E descuidamo-nos, e fazemos de conta e tentamos ser quem não somos nem quem gostaríamos de ser. Porque não somos quem somos nem somos quem idealizamos.
Descuidamo-nos nas palavras diariamente. Descuido-me de ti, fui-me descuidando, fui deixando o tempo passar e agora tenho culpa em mim. Sou culpada do que sinto e escrevo com o coração. Mas a culpa, essa senhora que me abala a fé em dias de chuva ou de vento, vai deixar de morar em mim. A culpa de querer ter, de querer fazer e depois a culpa de sofrer porque se tem culpa acaba por se tornar num ciclo vicioso.
Às vezes gostava de conseguir ultrapassar a barreira que a língua me proporciona. Às vezes gostava de agir em vez de ter a intenção de agir e essa intenção ficar dentro de mim guardada, revoltada, por não deixar de ser inteção. Às vezes, gostava que me percebesses e gostava que sentisses, que me sentisses. Gostava que me pusesses a mão no coração e te deixasses levar pelo compasso dos seus batimentos.

O meu coração tem asas, a minha alma desfaz-se em esforço. Misturo suor com areia e dou-te um bocadinho de mim. Não me julgues, por favor. Sei que não o fazes por mal, mas eu sinto. Às vezes, muitas vezes, preciso de tempo que não me dou a mim própria. Não me dou porque tenho medo que o nosso tempo acabe se o meu tempo me for concedido. E fico ansiosa, e quero, desejo com toda a força que babas as minhas palavras e que elas te atinjam como a intenção quer que atinja. Mas não... são ocas de sentido e maciças de nada.

Ajuda-me, porque não sei exprimir-me. Ou não sei qual é a tua intenção.


Hoje comi peixe cozido ao jantar e sardinhas grelhadas ao almoço.
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