terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mariana casa

1 ano . Mariana vive, vive?, no mundo dos casos, gente que casa em casa e descasa em casa, sob o mesmo tecto. Não casa por amor, porquê?, perguntava-se, porque não, não dá dinheiro e não há casa depois.

2 anos . Ao menos, se lhe fossem para tirar a liberdade, diziam, que lhe tirassem juntamente com outra pessoa e que não fosse ela, obrigada, sozinha, a aperceber-se que estava presa em si. Se estivesse presa a outro, tinha um motivo, o outro, e o outro tinha-o a ela e à casa.

3 anos . Depois criavam motivozinhos, extensões deles mesmos, uma prole. Não pensavam que esses motivos um dia iam transformar-se em pessoas e lidar com o problema da liberdade e juntar-se a outros e a continuidade do casa e mais uma casa e mais um tecto infeliz e mais motivos - pausa - que o mundo é feito de motivos e já não lhes restava nada senão casar para ter um pretexto.

4 anos . Já lhes era natural que casem e ela casou-se porque a normalidade era a infelicidade conjunta.

5 anos . Nunca haviam pensado numa busca por uma solução diferente, era aquela que existia, é esta que existe e nada é uma questão de força ou falta de inteligência, é uma questão de comodismo, que ele próprio casou com eles sem se aperceberam, enquanto fingiam ser quem não eram. Ou enquanto eram quem eram e não sabiam.

6 anos . Ela casa, ela cala, ela cai em desgraça e estilhaça-se no chão, ai que me dói mas eu não choro, a filha oferece-lhe um cachecol no Natal, que o Natal é tempo de dar e ela dá-lhe cobertura, dá-lhe o que pode. Um cinto novo para as costas da mãe, não, para as calças do pai é o contributo do filho que aprende depressa a obedecer porque não é difícil, tal como não é difícil casar.

7 anos . O pai morre. A mãe também.

8 anos . O filho herda os cintos.

9 anos . Mariana herda as costas.
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