sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um ano de blog - o que ficou por dizer



Pouco mais de 10 000 visitas;
Média de 60 visualizações diárias nos últimos 3 meses;
1546 visualizações no último mês;
209 posts;
15 seguidores;
1 ano de blog.

É verdade. Neste dia 25 de Novembro o blog completa um ano. É engraçado, nunca tive um blog por tanto tempo, nunca me comprometi com nada durante tanto tempo que não fosse obrigatório. Mas o blog passou a ser uma parte da minha vida diária. Às vezes, pela noitinha, ligo uma música calma e ponho-me a escrever. Também é verdade que tenho uns quantos posts não publicados, coisas minhas que não quero partilhar mas que quero que fiquem registadas. 
A minha professora da escola primária dizia-me que eu escrevia bem. Até há algum tempo, acreditava nela. Mas essa mania passou depois de ler Marguerite Yourcenar. Tenho pena, ainda hoje na aula o professor falou nela e ninguém a conhecia. Há uns quantos autores que eu gostava de mostrar, há uns quantos autores que eu queria muito que lessem. Às vezes partilho uns quantos excertos no blog, mas não creio que alguém preste muita atenção. 

Entretanto, criei uma página de facebook para o blog e o número de 'gostos' é mais ou menos o mesmo do que o número de pessoas que o visita diariamente. Fico contente por não gostarem 'por gostar'. 
Às vezes dou por mim a ler outros blogues, leio textos lindos, e penso que gostava de escrever assim, gostava que aquilo tivesse saído de mim, porque está tão belo, está tão perfeito... Mas limito-me a copiar para aqui e a citar a fonte, com inveja, é verdade.


  • Arrependimentos

Estava aqui a ver o primeiro post que publiquei e lembrei-me que o blog tinha sido criado com o objectivo de eu partilhar o que sabia sobre produtos de beleza, máscaras e uma série de coisas relacionadas com isso. Lembro-me que pensei no assunto quando estava assoberbada de trabalho com a faculdade e precisava de uma coisa levezinha para me distrair. Mas rapidamente mudei de objectivo e passei a escrever o tipo de coisas que escrevo agora. Como diz Yourcenar, 'a natureza trai-nos, a sorte muda, um deus vê do alto todas estas coisas' ao que eu acrescento que estas mudanças e estas traições aparentes não são propriamente más. Tenho sempre a ideia de que quando as coisas mudam, mudam para melhor. Mudam sempre para melhor, não há como piorar. Mesmo que pareça que piora naquele momento, mesmo que pareça pior durante meses, não piora. Há sempre qualquer coisa que fica, mais que não seja de aprendizagem. No entanto, isso não é sinónimo de que não hajam arrependimentos. Odeio mesmo quando alguém diz que não os tem. Uma coisa é ter aprendido com as situações más. Mas se conseguimos tirar alguma coisa boa dessa situação, foi porque nos arrependemos dela e fomos obrigados a vê-la de outra perspectiva, embora eu considere que um arrependimento não é obrigatoriamente uma necessidade de voltar atrás. É só o reconhecimento de que uma coisa devia ter sido feita de outra forma. O mesmo se aplica ao blog - se eu o tivesse começado só este ano, começava-o muito mais rico. Mas é claro que se seguirmos este raciocínio, eu só devia começar o blog no último momento antes da minha morte porque era o expoente máximo de riqueza pessoal que eu ia ter. Assim sendo, vou deixá-lo acompanhar-me e vou acompanhar-me dele durante os próximos tempos. 


  • Faculdade

Tive um colega no ano passado na faculdade que me disse uma coisa que eu nunca mais me esqueci. Ele é muito mais velho que eu, tem 40 e tal anos, e sentou-se ao meu lado na cantina, a almoçar. Continuámos a última aula que tínhamos tido, falámos de que é que achávamos que era a Filosofia. E a conversa que era trivial começou a transformar-se numa coisa séria. Até que a determinada altura eu disse uma qualquer frase (cá está, um arrependimento, devia tê-la registado) e ele respondeu-me que eu devia escrever os pensamentos que tinha naquele momento, guardar os escritos, e uns anos mais tarde, voltar a escrever sobre o mesmo assunto. Assim, no final da minha vida, podia ver-se a evolução do pensamento e quem sabe, conjugar tudo. Porque se é verdade que eu não dou conta do meu crescimento, também é verdade que não dou conta da mudança de opinião quando esta é gradual. Parece que quando me apercebo que ela é diferente do que a que eu tinha, já só tenho argumentos para que esta nova seja melhor e mais credível, esquecendo-me do que me levava a pensar de outra forma anteriormente.


  • Poesia
O meu género literário preferido é poesia. Mas gosto daquela que não rima e se rima, tem que ser um soneto. Lembro-me que a primeira que escrevi e mostrei foi pelo dia da mãe. Estava na segunda classe e lembro-me como se fosse hoje. Tínhamos que ilustrar e escrever um cartão para o dia da mãe.
A única quadra que me lembro de cor é qualquer coisa como isto

A minha mãe sabe o que faz
A minha mãe sabe o que diz
E por isso não é codorniz.

e quando eu acabei, achei que estava genial, ninguém se ia lembrar de rimar 'diz' com 'codorniz'. Ainda hoje tenho esse postal guardado e acho que está um miminho. Depois, com o tempo, continuei a escrever mas nunca produzi nada de verdadeiramente bonito, muito menos belo. Não tenho jeito, não me é natural. Mas contento-me com a leitura dela, afinal, há quem a escreva muito bem. Tenho uma pequena pancada por Florbela Espanca, toda aquela tristeza e melancolia dão cabo de mim. Fernando Pessoa também me fascina, mas dos poemas que eu mais gosto são os de Saramago. O meu preferido é este

Aprendamos, amor, com estes montes 
Que, tão longe do mar, sabem o jeito 
De banhar no azul dos horizontes. 

Façamos o que é certo e de direito: 
Dos desejos ocultos outras fontes 
E desçamos ao mar do nosso leito.

E rima. É dos poucos que eu gosto, que não é soneto e que rima. Rimar soa-me a falso e eu gosto de ler como quem fala, como que alguém pudesse expressar no momento falado o que expressa no momento escrito, sem se atrapalhar com os sons ou com os disparates e incongruências da fala. É isso que me faz ser apaixonada por poesia. Há um outro poeta que julgo que é pouco conhecido, porque sempre que falo nele, ninguém conhece, que se chama Paul Celan. 

Coração inconstante, a quem a charneca edifica a cidade 
no meio das velas e das horas, 
tu sobes 
com os choupos até aos lagos: 
aí talha a flauta, de noite, 
o amigo do seu silêncio 
e mostra-o às águas. 
Na margem 
vagueia embuçado o pensamento e escuta: 
pois nada 
surge com a sua própria forma, 
e a palavra, que brilha sobre ti, 
crê no escaravelho dentro do feto. 

Eu creio que quem escreve uma coisa destas, só pode ter sido uma pessoa excepcional. Quem me dera conseguir pensar assim e escrever assim. Às vezes imagino que os escritores conseguem escrever o que realmente querem escrever e penso que não têm nenhum problema em fazer a transição entre pensamento e expressão da linguagem. Mas depois vem-me à memória que são pessoas como eu e se calhar um poema é só uma forma de eles demonstrarem quão incompleta é a sua linguagem e uma tentativa de criar outra como forma de tentar expressar - às vezes, acho que sem sucesso, segundo eles, porque queimaram milhares de trabalhos - o seu pensamento. Para mim, a poesia é uma forma de se viver ao contrário e eu acho que quem mais personifica essa minha definição é Pessoa, por engraçado que pareça o trocadilho com o seu apelido. Ele começou a sua vida em berço de ouro e acabou completamente degradado. Tinha com certeza uma dificuldade de expressão e quanto mais o leio, mais creio que ele não era uma pessoa, era um buraco profundo, sem fim visível, de onde saíam palavras aos bocados. 

Às vezes imagino Pessoa como um buraco negro, que tem a propriedade de sugar e expelir ao mesmo tempo. Suga e apreende tudo o que o rodeia, de uma forma mais intensa que a maioria de nós e depois, expele de rajada em algo que nós não percebemos bem, ficamos atordoados e achamos belo. O problema é quando ele se depara com sentimentos mundanos, como foi o caso da sua paixão pela Ofélia. Os poemas que ele escrvia para ela são de fugir. São terríveis, nem parecem escritos por ele. Há um em que ele a compara com uma lata de atum. É pena não ter aqui o livro, emprestei-o a uma amiga, se não até o reproduzia. Mas é engraçado, havia um dos heterónimos dele, agora não me recordo, talvez seja o Campos, que gostava muito dela. Mas ela odiava-o e detestava quando Pessoa estava em 'modo' *esse heterónimo que não me lembro qual é*. Foi uma relação conturbada e há uma frase da qual eu não me esqueço, que li numa introdução de um livro (até acho que foi o Poesias III com introdução (ou comentários, já não sei bem) de António Quadros, azul escuro com letras douradas, que era da minha mãe) em que ele dizia assim à Ofélia 'Se não podes gostar de mim a valer, finge, mas finge tão bem que eu não perceba'. Completamente depressivo, tal como eu gosto de ler.

E como forma de finalizar este post que pretende celebrar um ano de blog, aqui vai um cheirinho da minha musa inspiradora.

Toda a vida se espantara com essa faculdade que as ideias têm de se aglomerarem friamente como cristais, formando estranhas figuras vãs; ou crescerem como tumores devorando a carne que os concebeu; ou assumirem monstruosamente certos contornos da pessoa humana, à maneira dessas massas inertes que algumas mulheres dão à luz e que, em suma, não são mais do que um sonho da matéria. Uma boa parte dos produtos do espírito não passava também de disformes sombras lunares. Outras noções, mais claras e nítidas, como que fabricadas por um mestre artesão, eram, porém, como aqueles objectos que, à distância, iludem; imensamente admiráveis eram os seus ângulos e arestas; e todavia não passavam de grades aonde o entendimento a se mesmo se aprisiona, abstractas ferragens que a ferrugem da falsidade não tardaria a carcomir.
Tremia-se, por momentos, perante a iminente transmutação: um pouco de ouro parecia brotar no crisol do cérebro humano; não se conseguia, contudo, mais do que uma equivalência; da mesma forma que, naquelas experiências grosseiras em que os alquimistas da corte tentam provar aos príncipes seus clientes que algo descobriram, não era o ouro, no fundo da retorta, senão o de um banal ducado que, depois de correr de mão em mão, ali foi posto pelo alquimista antes da fervura. 
Tal como os homens, morriam as noções: vira, no decurso de meio século, várias gerações de ideias desfazerem-se em pó. 

Marguerite Yourcenar, A Obra ao Negro

Marguerite Yourcenar

Próximo post: Mimesis e Catarsis