segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Lock e as relações

O pensamento é despertado no nosso dia-a-dia e segundo o humor com o qual estamos. Há, notoriamente, um contraste entre estados, nações e culturas que acabam por caracterizar invariavelmente toda uma literatura que vem até aos nossos dias. O pensamento é uma generalização da experiência, toda a gente que a tem (à experiência) tem obrigatoriamente pensamento. O que se acaba por fazer é generalizar, ou seja, reunir um 'tipo de pensamento' num só e assim caracterizar um povo.
Hoje, vou caracterizar o pensamento de Lock.

Para isso, tem que se entender em que meios viveu Locke. Era Inglês, estava sob aquele tempo negro, chuvoso, muito ao contrário dos continentais, que acabam por fazer uma filosofia criada enquanto passeiam, por entre a natureza, mais dada à reflexão em contacto com diferentes elementos que acabam por influenciar as correntes de pensamento em que se inserem ou que criam. Aqueles, urgidos pela situação, são capazes de ser mais pragmáticos e utilitaristas do que os continentais (veja-se Stuart Mill, por exemplo). De certa forma, Locke é uma pessoa que é capaz de passar do conservadorismo da família em que vivia, extremamente religiosa, para compreender uma situação mais equilibrada, atingindo ideais de tolerância e pragmatismo. Isto, está claro, implica uma capacidade de 'dar-se conta', de 'dialogar com filósofos', de prestar atenção ao que o rodeia. É difícil conceber alguém que consiga evoluir a partir dos 'pré-conceitos' até encarar o mundo de uma forma lima, sem qualquer juízo por trás. Se conseguimos chegar até aqui e compreender a posição em que ele está envolto, parabéns - estamos em condições de dialogar com Locke (e com Hume).

A obsessão de Locke resume-se a uma ideia base: como funciona o pensamento? Como tenho ideias? Mais ainda, como tenho consciência de mim enquanto ser que tem ideias, enquanto ser pensante? Como é que o conteúdo dessas ideias corresponde, magicamente, com uma realidade externa na qual vivo? E aqui faz uma coisa que alguns filósofos, quer continentais quer não, fazem. Pára e olha. Observa. Atenta no que o rodeia. O seu ponto de partida é o que existe e não questiona a realidade observável. Constata que, por exemplo, enquanto escrevo estas palavras, utilizo conceitos e esses conceitos são x, y e z. Isto é o observável, isto é o que se pode ter a certeza que existe.

Avançando então, que temos o nosso material, até ao conceito de entendimento. Este conceito é algo que procede a partir da origem da filosofia - nous - e é aquele que se guarda dentro de nós mesmos para voltarmos a experimentá-lo quando levamos uma determinada mensagem a outra pessoa. Ou seja, de uma forma mais simples, entendimento é o momento em que o 'eu' se apercebe de si mesmo. É o momento em que eu-mesma me dou conta. Por exemplo, no poema de Parménides a Deusa diz-lhe 'dá-te conta tal como o próprio pensamento, como a própria mente se apercebe de que as coisas, quer estejam próximas, quer estejam longe, se tornam presentes imediatamente'. Bastante explícito, creio eu. No entanto, o Homem tem um papel fundamental, porque ele é a medida, ele é a proporção, ele dá o logos. No ramo do entendimento, as coisas ausentes estão presentes e o que o homem faz é convertê-las em ideia. Essa capacidade de intuição mental, de experiência interna é o que explora a filosofia moderna. Se nos conformarmos com esta perspectiva, há uma necessidade de questionar e perceber com exactidão o interior dos elementos que nós próprios descobrimos em nós. 
Assim, segundo este raciocínio, Locke tenta dissecar mente de sensibilidade. Ele e o empirismo convertem-se em pragmáticos (ou seja, algo que tem o seu peso 'valorável' e que portanto tende a realizar-se) e surgem outras questões. De que forma é o entendimento passivo? Pode ele produzir coisas e conhecer aquilo que produz? Se sim, isso é imaginação e fantasia.

Eu posso dar-me conta das coisas e manejar ideias, construir produtos eles mesmos 'filhos' dessa manifestação, recriando então uma realidade possível, em sentido possível (por exemplo, é isso que a arte faz). O entendimento é passivo quando se relaciona com o conhecimento. A questão é que não existe nada no entendimento que não tenha existido antes na sensação. Ou seja, se uma pessoa tivesse sido privada de sensibilidade, não tem nada na mente, porque uma está em relação de obrigatoriedade com a outra. Assim, quando nascemos, a nossa capacidade de recepção já existe.

O outro problema do qual se vai ocupar é o de que como é que a ideia é provocada. Ou seja, como é que o entendimento é activado de forma a que possa surgir algo que lhe corresponda. Mas, diz ele, que a realidade é a dedução e a análise da ideia. A mente vai-se iluminando porque as ideias existem. No entanto, não podemos deixar de parte a noção e o conceito de substância. Afinal, o que é ela? 
A substância é um termo que procede de Sócrates e de Platão, já que aparece na Apologia de Sócrates (ver link, que acaba por explicar e não há a necessidade de repetir a explicação).

Vamos a um exemplo prático e simples: alguém pede a outra pessoa para definir o que é a triangularidade. Esta é impossível de ser definida, porque podemos definir um triângulo mas nunca o conceito 'triangularidade' . Então, possuímos o conhecimento de ideias similares (que, de uma perspectiva Leibniziana, foram postas em nós por Deus), que nos permitem efectivamente perceber o que é um triângulo, abarcar a noção, internamente, de triangularidade, sem sequer a definir. Neste sentido, como afirma Platão, conhecemos e recordamos, já que conhecer é recordar. Mas Locke não se vai preocupar com o determinar. Eu não sei o que é a substância. Só sei que existe. Não tenho, no entanto, a experiência de substância, mas sim de qualidades particulares e sensíveis, sensações que me ajudam a delimitar as propriedades dos objectos. Assim, conclui que a substância é a causa da experiência.
Toda a realidade deve ter causa própria, ou seja, eu posso dizer que as coisas são mas não posso afirmar que tudo é necessário ser. Se pensarmos, não podemos dizer nem pensar que o nada é. Então, isso significa que o ser é. Ou há nada ou há ser. E assim, começamos a entrar num loop (que Descartes fez questão de iniciar), dizendo que eu posso duvidar mas não posso duvidar de que duvido. No entanto, Descartes tem razão quando diz que o pensamento implica pensar, implica a identidade. 

Em conclusão, tenho sempre unidades que se relacionam entre si. Logo, tenho a experiência da relação. Mas e quando a relação ela mesma é o objecto da experiência? E o que dizer sobre os conteúdos da experiência da relação?

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