quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A mente mente

A escrita, ou a arte, para ser mais abrangente, cumpre funções que mais nenhuma área consegue cumprir. (...) Sinto que há poucas experiências tão interessantes como quando se lê um livro e se percebe "já senti isto, mas nunca o tinha visto escrito", procurar isso, ou procurar escrever textos que façam sentir isso, é uma das minhas buscas permanentes. Trata-se de ordenar, de esquematizar, não só sentimentos como ideias que temos de uma forma vaga mas que entendemos melhor quando os vemos em palavras. Trata-se também de construir empatia: através da leitura temos oportunidade de estar na pele de outras pessoas e de sentir coisas que não fazem parte da nossa vida, mas que no momento em que lemos conseguimos perceber como é. E isso faz-nos ser mais humanos. Na leitura e na escrita encontramo-nos todos naquilo que temos de mais humano.

José Luís Peixoto in Diário de Notícias


Sempre quis saber escrever como os grandes. O meu sonho era um dia poder escrever uma frase e que ela pudesse resumir a vida daquela pessoa; ou um poema, ou um texto. O meu ponto é que a minha escrita fosse fluida e fosse agradável aos olhos, que fosse memorável (ou memorizável) de alguma forma e que, sobretudo, fizesse sentido. Quando era miúda, do que gostava mesmo era de conseguir decorar parágrafos ou poesia para depois a declamar sozinha, no quarto. Houve uma vez que decorei duas páginas da Menina do Mar, da Sophia, fechei os olhos e disse-a em voz alto no quarto. Soube-me tão bem. Imaginei que estava num teatro, que o texto era meu e que eu conseguia impressionar toda a gente. Toda uma necessidade de atenção perfeitamente dispensável. 
A verdade é que, tal como é dito acima, eu me encontrava. Encontrava-me a ler, encontrava-me a dizer o que lia e só me chateava pela minha terrível dicção. Mas não me importava, porque fingia que os 's' não saíam como 'ch' e os 'ch' não saíam como 'csh' e portanto tudo corria bem. Tudo corria bem no espectáculo da minha cabeça. 
Normalmente, começava da mesma forma. Eu entrava num palco e ouvia o burburinho das pessoas. Relia uma vez mais o texto, as cortinas vermelhas abriam-se e ali estava, uma plateia de propósito. E eu dizia, declamava, ora com gestos exagerados, ora normais. Chorava nas partes emocionantes, fingia acessórios no palco. No final, ousava dizer o nome do autor numa voz perfeitamente bem colocada e toda a gente aplaudia de coração. Tinha a certeza que me sentia bem.

Também eu sinto que há poucas experiências que nos façam sentir tão bem como a imaginação, como o pensamento. É como uma caixa onde pode ser aprisionado o infinito, se isto fizer algum sentido, e onde nos podemos vestir de quem quisermos, estarmos com quem quisermos, morrer e renascer e sermos nós próprios. Às vezes acho que as pessoas estão demasiado ocupadas a pensar em coisas palpáveis que não se preocupam com o que é possível dentro da cabeça delas, com o que é impossível no dia-a-dia. Acho que os verdadeiros objectivos se constroem quando temos objectivos inatingíveis na nossa mente. Como se um conjunto do impossível criasse o possível e a partir daí, pudéssemos finalmente ser livres e libertar espaço no nosso pensamento. Entretanto, criam-se as rotinas, criam-se hábitos e a nossa mente entra em modo automático, para pensar só no que é previsto que pense. Acho também que os vícios de pensamento são criados por nós, os desgostos na nossa mente, a impossibilidade de um momento, é tudo criado por nós. O sofrer por antecipação, que é a coisa que menos sentido tem e a qual eu vejo mais gente a sentir. Eu própria me apercebo disto enquanto o vivo. Torna-se ridículo. 

Mas acho que esse é o preço de nos aprisionarmos na nossa própria mente e de acreditarmos no imaginário enquanto real.
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