quinta-feira, 22 de março de 2012

Histórias de escola #4

Uma das fases mais complicadas da minha vida foi quando andava na terceira e quarta classes. Num dia, a professora tinha as mesas dispostas em forma de U e eu ficava mesmo à frente dela, portanto, no sítio mais longe. Não gostava de ficar longe da professora, gostava de ficar ao pé dela porque tinha um cheirinho bom e porque me fazia lembrar a minha mãe. E sobretudo, ao lado da professora, eu não fazia birras. 
Numa aula em que estávamos a dar Estudo do Meio, a professora começou a falar de sexo e reprodução. Claro que não foi de um modo pesado ou ordinário, simplesmente disse que o corpo da mulher estava preparado para ter filhos e que o corpo dos homens ajudava nisso. A professora tinha um ou dois filhos, de forma que eu levantei o braço e perguntei:
- Oh professora, mas não dói às mulheres?
E ela respondeu que doía um bocadinho, mas que a felicidade sentida depois era maior do que qualquer dor do mundo. Mas eu continuava na minha:
- Mas dói mais do que uma vacina?
Cheia de paciência, a professora respondeu que era uma dor diferente, porque numa vacina entrava uma coisa no nosso corpo e quando se tratava de filhos, essa coisa saía. Mas eu não fiquei convencida. No entanto, calei-me. No final da aula, arrumei as coisas devagarinho e fui ter com a senhora. Ela perguntou-me o que se passava e eu disse:
- Todas as meninas têm que ter filhos?
- Não, Laura, não têm, mas é normal que queiram ter. Faz parte da nossa natureza.
- E não se pode ter filhos de outra forma sem ser com dores?
Ela olhou para mim e acho que notei um brilho nos olhos dela. Lembro-me muito bem daqueles olhos castanhos escuros, quase pretos, e da sua pele morena que brilhava a olhar para mim. E do cheiro... cheirava tão bem!
- Pode-se. Pode-se ter uma criança que outros adultos não querem ter.
- Mas se faz parte da nossa natureza, porque é que há adultos que não querem ter crianças?
- Porque podem não ter condições para isso.
Aqui, eu parei e pensei. Fez-se luz na minha cabeça e até hoje me ficou às voltas a ideia.
- E eu posso ter uma dessas crianças? É porque eu não quero ter dores e não sei se vou ter vontade de ter um bebé meu. E se há outros que não as querem...
- Podes, sim. Tu e a pessoa com quem estiveres podem ter uma criança que não é vossa. Chama-se 'adoptar uma criança'. 
- Ah, então já decidi: vou adoptar.

Devo dizer que esta foi uma das conversas mais importantes da minha vida. Deve ter durado uns três minutos mas eu nunca fiquei tão contente naquele ano como naquele dia. A nossa sala era no último andar e então tínhamos que descer uma série de escadas para sair da escola. Entretanto a minha mãe veio buscar-me e eu saí-me com esta ideia fantástica. Outra ocasião, no ano seguinte, foi quando descobri que se podia ter filhos sem ser com um homem. Então, a partir daí, comecei a dizer que ia ser mãe solteira e ia ter uma criança por 'inseminação artificial'. Mas este conceito, não me lembro onde aprendi. 
No entanto, a questão da adopção, na altura com 9 anos, sempre me pareceu a mais plausível. Sem eu saber o que estava implicado, sem eu saber da dificuldade de adoptar, sem eu saber que nem toda a gente pode adoptar, pareceu-me que adoptar era o que seria mais viável. 

Sem eu sequer ter estado apaixonada pela primeira vez.
Próximo post: Mimesis e Catarsis